Em 18 de outubro de 2022, o humorista Eddy Jr foi vítima de injúrias raciais praticadas por outra moradora do mesmo prédio em que reside. Dentre os insultos, além de negar entrar no mesmo elevador que o vizinho, Elisabeth Morrone o chamou de “sujo”, “imundo” e “macaco”.
Para entendermos todas as possíveis repercussões do caso e como devem ser adotadas as medidas cabíveis pelo condomínio, é necessário apontarmos qual a dinâmica jurídica do caso, para, a partir daí, chegarmos a melhor conclusão sob uma perspectiva condominial.
Como definir o crime cometido?
Existem repercussões criminais que envolvam o comportamento praticado pela moradora. Neste caso, ele se divide em duas implicações, sendo necessário analisar se houve o crime de racismo ou de injuria racial.
O crime de racismo implica na segregação em razão da cor (neste caso). Para entendermos melhor, é importante trazer o seguinte exemplo: imaginem o caso de um condomínio impedir o acesso de pessoas negras. Neste caso, o ato é de racismo, porque abrange um amplo universo de determinadas pessoas, que não são prejudicadas em razão da cor da sua pele de um modo geral e amplo.
Já o crime de injúria, o ocorre quando a ofensa racial (repito, neste caso) se dá referente a uma só pessoa. Sendo assim, o caso implica no crime de injúria racial, que ocorre quando os atos ofensivos são praticados contra uma determinada pessoa.
Mas qual a importância de saber isso? Essa é a grande questão que envolve o caso, porque cada situação importa em diferentes implicações, sendo necessário um estudo mais aprofundado de cada ocorrência. Sendo assim convém diferenciar cada instituto.
Dessa forma, enquanto que o crime de racismo é inafiançável, ou seja, o autor do crime não pode ser livre do flagrante por meio de fiança, ele também é imprescritível, isto é, o Estado não perde o direito de representar criminalmente pelo decurso do tempo; por sua vez, o crime de injúria permite a fiança (até mesmo pelo próprio delegado de polícia), bem como possibilita a prescrição.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal equiparou os crimes de racismo e injúria racial através do Habeas Corpus nº 154.248, em que ficou decidido que o crime de injúria se equipara ao crime de racismo. Porém esta decisão é um precedente único e, por enquanto, isolado, e não tem caráter vinculante nem força de lei.
Assim sendo, crime de injúria, de modo geral, ainda é prescritível, afiançável, depende de representação e permite a suspensão do processo, não se equiparando ao crime de racismo, pelo menos não de forma genérica e absoluta.
Superada perspectiva, na ótica condominial, é fundamental saber qual crime foi cometido, posto que isso permitirá a prisão imediata do agente, inclusive por qualquer pessoa que tenha presenciado o ato, que pode determinar a prisão do autor tão logo tenha ocorrido a situação criminosa, que implicará em um Auto de Prisão em Flagrante (APF).
Isso permite, desde já, uma apuração interna para aplicação das sanções determinadas em conformidade com a Convenção e o Regulamento Interno. Enquanto isso, para fins de apuração criminal, o crime de injúria depende de representação do ofendido.
Critérios punitivos para a ofensa no caso
Pelo que foi apurado até o presente momento, o Condomínio promoveu a convocação extraordinária de assembleia pera deliberar sobre a aplicação de medida punitiva na forma do art. 1337 do Código Civil, que assim determina:
Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
A Lei, neste ponto, é clara ao dizer que somente condutas reiteradas serão submetidas à apreciação da coletividade, que poderá aplicar multa no valor de até o quíntuplo do valor da taxa.
A medida punitiva, ao que consta, foi aprovada pela assembleia que decidiu pela aplicação de multa no valor de R$ 4.500,00.
Eis algumas problemáticas que gostaria de destacar para reflexão:
Primeiro, o Condomínio segue a mesma perspectiva constitucional de garantir o direito ao contraditório e a ampla defesa, na forma do art. 5º, inciso LV, da Carta Magna.
Pelo que se verifica, não foi garantido o direito da moradora agressora se defender do caso, ainda que o ato seja repugnante, o direito garante a todos a garantia de defesa perante quaisquer atos juridicamente apuráveis e que repercutam em medidas sancionatórias.
Segundo, ainda que a norma determine a aplicação de multa diretamente, ela deve ser aplicada em casos de comportamentos reiterados. Neste caso, o que se verificou até o momento é que a autora das agressões nunca foi punida nem advertida anteriormente pela administração.
Pela perspectiva condominial, nada existe sem no mínimo um relatório em livro de ocorrências, por meio de notificações extrajudiciais ou pela aplicação de outras punições como advertência, repressão ou multa.
Sendo assim, entendo que há um problema de desproporção na medida, de modo que os meios punitivos adotados extrapolaram os critérios legais de sanção, abrindo uma margem perigosa para anulação da multa aplicada, bem como a possibilidade de adoção de alguma medida compensatória por parte do condomínio para a agressora.
Curioso que a medida judicial cautelar adotada foi justamente no sentido daquilo que a agressora queria, que era o afastamento total e absoluto do Eddy Jr e sua família, enquanto que entende que a medida deveria ser compensatória e proporcional.
Entendo que a Lei Maria da Penha possa ser aplicada por analogia ao caso, porque o condomínio é um local de texto familiar, exceto naquilo que tenha repercussão criminal, cuja esta possibilidade é expressamente vedada, a adoção de medidas como determinar o comparecimento da agressora a programas de reeducação bem como o acompanhamento psicossocial para atendimento individual ou em grupo (art. 22, incisos VI e VII, respectivamente).
Conclusão
Convém destacar, em vista de conclusão, que não se trata de analisar as agressões ou as repercussões criminais que devam recair sobre a senhora Elisabeth Morrone, mas reforçar as medidas juridicamente mais “corretas” que devem ser adotadas pelos condomínios, sejam por meio da assessoria jurídica ou através dos próprios síndicos.
Na perspectiva condominial, é fundamental ter em mente dois tipos de finalidades que devem ser buscadas, e em nenhum caso o enriquecimento do Condomínio deve ser critério de apuração punitiva. De um lado, o caráter pedagógico da medida, ou seja, busca-se através da punição que a autora do ato reconheça a sua falha e aprenda com tal medida punitiva; de outro lado, o caráter exemplar da medida, ou seja, que o ato seja apurado e sancionado na medida exata para que sirva de modelo a coibir futuras práticas equivalentes.
Desse modo, a sanção deva guardar todos os critérios da lei, sob pena de o condomínio sopesar a sanção além do que lhe é possível, gerando novos conflitos internos por meio de eventuais retaliações ao desrespeito de garantias fundamentais praticadas pelo condomínio.
Por fim, recomendo a adoção de um protocolo claro e aberto de reclamação e apuração de todo tipo de descumprimento de regras internas, seja elas no âmbito civil quanto criminal, para que no momento oportuno, qualquer punição não seja considerada desproporcional, por mais nefasto que seja o comportamento praticado pelo agressor, tal qual o caso ora estudado, já que a medida a ser analisada pelo condomínio visa a pacificação social de forma imparcial e no interesse da coletividade, e não no interesse da vítima, assim podendo aplicar uma medida mais severa se identificado – e notificado – um comportamento reiterado.