Recentemente, um vídeo tem chocado as pessoas nas redes sociais. Nele, Dayse de Souza Ribeiro, síndica de um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, área nobre do Rio de Janeiro, é covardemente agredida com um tapa no rosto durante uma discussão. Em março, Wahby Khalil, síndico de um prédio no Distrito Federal, foi hospitalizado em estado grave ao ser atingido por um soco dado por um personal trainer após um desentendimento. Infelizmente, notícias como essas tem se tornado cada vez mais comuns. Mas qual pode ser o motivo do aumento da violência contra síndicos?
Para Michele Martins, que atua na área de mediação de conflitos e professora da UniSecovi Rio no curso de Administração de Condomínios, a função de cobrar e fiscalizar exercidas pelo síndico causa uma certa resistência. “Por ser uma atividade eletiva, a atividade do síndico oferece algumas particularidades, essencialmente política. Além disso, o síndico tem entre as suas funções determinantes, a fiscalização e cobrança de ações que defendem o interesse coletivo, que podem confrontar com estruturas culturais e organizacionais bastante enraizadas”, acredita. Michelle, também crê que a falta do conhecimento das leis colabora no surgimento de desentendimentos entre o profissional e os moradores. “Morar num condomínio pressupõe o conhecimento das regras de convivência coletiva, e das formas bem definidas da sua administração e prestação de contas. Acredito que a maioria dos conflitos nos condomínios, se dá em função da falta de conhecimento das leis que são expressamente determinadas no código civil, ou mesmo da negligência ou desinteresse em cumpri-las”, diz
Gislaine Ferreira, síndica profissional na Apsa, e que trabalha há 14 anos com administração de condomínios entre residenciais, comerciais e empresariais, concorda que as infrações às regras causam mais desentendimentos. “Temos que cuidar do bem coletivo, e existem regras para o bom convívio, mas a maioria dos condôminos só as aceitam para benefício próprio, ao ser cobrado de suas infrações se irritam facilmente”, diz.
Já Christiane Valle, psicóloga e CEO da INMD, plataforma de psicoterapia online, acredita que a agressão se dá pela incapacidade de gerir seus sentimentos e usar palavras. “Estamos passando por um momento polarizado no campo político que aponta para a intolerância, ou seja, hoje em dia ou é preto ou branco. Com isso está se criando uma fantasia de que se alguém que não concorda comigo necessariamente está contra mim. Estamos perdendo a capacidade de escutar e aprender com a experiência com o outro, o que leva ao aumento da violência”.
Como agir?
Dra Thaís Jurema, advogada e consultora condominial e especialista em Técnicas Avançadas na Resolução de Conflitos e gestora condominial diz que em caso de agressão é necessário que o síndico faça um boletim de ocorrência. “Se for nas dependências do condomínio ou em virtude da atividade exercida, deve multar a unidade. Ele pode, também, ingressar com ação de reparação de dano moral em face do agressor”, explica. E completa: “A agressão física é considerada infração gravíssima. Se reiterada, pode ensejar expulsão por conduta antissocial. É muito importante que o regimento interno preveja uma multa relevante financeiramente e que seja divulgado”, revela advogada. “Recolher provas físicas como documentos, áudios, vídeos e testemunhas é importante desde os primeiros sinais de desrespeito”, acrescenta professora Michele Martins.
Além de ser multado, o agressor pode ser expulso do condomínio por conduta antissocial, e ser réu em processo criminal e civil, explica a advogada. “A comunicação é sempre ótima estratégica, portanto, é importante que esteja expressamente no regimento interno; porém caso não haja, é possível a aplicação da penalidade em virtude da conduta antissocial, explica. Agora em casos de reincidência, Thais diz que uma assembleia pode ser realizada para decidir o caso. “A assembleia somente é indicada para casos reincidentes, em especial para que seja aprovado o processo de expulsão, que é o último caso. Tal situação está prevista no artigo 1337 e parágrafo único, do Código Civil. É muito importante que seja analisado caso a caso. O Poder Judiciário vem acatando pedidos de expulsão de condôminos antissocial, baseados no direito de vizinhança, e desde que demonstrada a reiteração da conduta e a aplicação de outras medidas para a contenção do comportamento, sem que houvesse êxito. Por exemplo, o condômino/morador foi advertido e multado diversas vezes e, mesmo assim, seu comportamento não muda, não restando outra saída, a não ser a expulsão”, explica Thais Jurema.
Pandemia pode ter causado um aumento de casos de agressão
Recentemente a Organização Mundial de Saúde(OMS) pediu ao mundo uma maior atenção à saúde mental devido ao aumento de casos relacionados a esse tema. Para Michele Martins, o longo confinamento pode ter prejudicado as regras de convivência. “Em relação a pandemia, pode-se dizer que o ambiente doméstico passou a ter uma importância muito maior, uma vez que durante esse processo pandêmico, tivemos que confinar todas as nossas atividades, como de educação, trabalho, lazer e família num mesmo espaço. O que fez aumentar a necessidade de leis para regularizar o uso deste espaço por pessoas com interesses diferentes e que dividem o mesmo espaço”, diz Michele Martins.
A psicóloga Christiane Valle também concorda com os efeitos da pandemia . “Durante quase um ano e meio ficamos isolados e com isso, perdemos um pouco o polimento social. Além disso, a taxa de ansiedade e depressão no país estão cada vez mais elevadas, tirando a gente do prumo”. E completa: “Precisamos buscar mecanismos externos para aprender a lidar com nossas frustrações sem trazê-las para as relações sociais. Lembrando que meu direito acaba quando começa o do outro”
Já a síndica Gislaine Ferreira acredita que a pandemia não piorou o problema. “Não acho que as agressões estejam ligadas com a pandemia, infelizmente agressões sejam físicas ou morais sempre aconteceram. Os síndicos em seu cotidiano estão sempre tentando reverter situações que possam chegar às agressões, na maioria das vezes, não passa de um mal entendido ou interpretação equivocada do agressor”, diz.
Identificando sinais de alerta
Michele Martins alerta que se deve ficar atento a sinais de comportamentos agressivos. “Devemos encarar uma agressão, como um descontrole emocional intenso, de pelo menos uma das partes. Não é possível controlar as reações emocionais dos outros, mas é possível identificar os padrões de comportamento com tendência ao descontrole, e principalmente cuidar da nossa forma de reação emocional diante de situações desagradáveis”, explica. E acrescenta: “De toda maneira, tanto o síndico quanto os condôminos, devem ficar atentos a sentimentos muito fortes de raiva, intolerância, desconfiança excessiva, sabotagem, exclusões. Fofocas e depreciações de todo tipo devem ser evitadas, para evitar a polarização”.
Sua experiência em lidar com o público, fez com que Gislaine começasse a identificar alguns sinais de alerta. “Normalmente o agressor apresenta entonação de voz elevada e irritabilidade. O melhor é orientá-lo a se acalmar e retornar para uma conversa”, orienta a sindica.
De acordo com Martins, pessoas com baixa tolerância à frustração, podem exteriorizar seus sentimentos sob a forma de ofensas e gritos, a fim de chamar a atenção da sua insatisfação e buscar o apoio dos demais para a sua causa. Já pessoas com tendência à introversão, tendem a demonstrar sua frustração através de ações isoladas ou adotando uma atitude contrária a toda ação que melhore o desempenho do síndico. “Podemos observar a escalada de um conflito através da comunicação: às partes envolvidas ainda se falam? Mantém a educação mesmo frente aos desentendimentos? Trocam ofensas ou ameaças em público? Existe algum grau de ironia nos comentários? Toda e qualquer ameaça deve ser registrada na presença de testemunhas, mas nunca se deve responder no mesmo nível para evitar a escalada. Mesmo quando não estamos diretamente envolvidos, devemos defender a imparcialidade e impedir que se falte com o respeito no ambiente” orienta.
A psicóloga Christiane Pereira Valle explica que mais importante do que os sinais que podem passar despercebidos, é preciso entender qual o nosso papel na escalada da violência. “Geralmente pessoas que têm esta postura já trazem um padrão de comportamento desta natureza. No entanto, não agridem todas as pessoas. Então é bom entender quais são os gatilhos que eu provoco na situação que podem levar a este comportamento, pois muito mais fácil do que esperar que o outro tenha um comportamento diferente é eu mesmo entender o que posso fazer para mudar a situação. E as técnicas de comunicação não violenta, podem ajudar muito”, diz
Como o síndico pode se defender
“O condomínio deve ser mobilizado para dissipar esse tipo de comportamento, tendo atitudes a coibir tal situação, aplicando multas, ingressando com ações cíveis e criminais, se for o caso, e, em especial trazendo aos moradores uma comunicação eficiente, com a aplicação de técnicas capazes de reduzir litígios”, orienta a advogada Thais Jurema.
Michelle que também é síndica diz que é necessário separar o pessoal do profissional. “Exerço a atividade de síndica profissional, e posso garantir que muitas vezes desagradei e fui confrontada por alguns moradores. A principal coisa a se fazer é separar a pessoa física da atividade que exerço como síndico: Uma coisa é o que eu quero e penso, a outra coisa é o que deve ser feito. Outra dica importante para o síndico é manter o bom humor, para conduzir os processos com leveza, procure focar no que há de melhor em cada situação”, diz.
E pra quem já sofreu a agressão, como cuidar da saúde mental?
A síndica Gislaine Ferreira diz que agressões verbais são recorrentes, mas uma vez foi agredida fisicamente quando exigiu que um visitante respeitasse regras do condomínio. “Agressões verbais já fazem parte do cotidiano, mas a agressão física ocorreu ao solicitar que uma moça que havia entrado sem a autorização do morador e porteiro, se retirasse e aguardasse a autorização do morador. Simplesmente me agrediu porque pedi a ela que se retirasse. Fui defendida pelos demais condôminos e colaboradores. E infelizmente só a polícia conseguiu resolver a situação, pois além de mim, agrediu outros condôminos e funcionários”, lembra.
Para a síndica, uma ajuda profissional seria importante. “Desconheço existir uma associação para apoio, os fatos são levados à polícia e normalmente não passam de um boletim de ocorrência. Não existe apoio psicológico, e este seria muito importante, pois os síndicos cuidam da coletividade, para ajudar as pessoas precisamos estar com o emocional e psicológico bem”, acredita.
“Uma atitude agressiva pode deixar marcas físicas e emocionais. As marcas emocionais podem ser medo, ansiedade, fobia social chegando até mesmo a um transtorno de estresse pós- traumático. É importante avaliar a profundidade das consequências do trauma. Caso traga distúrbio do sono, sudorese, sensação de medo, ansiedade, taquicardia e falta de apetite é muito importante buscar ajuda psicológica para aprender a lidar com este trauma”, aconselha Christiane Valle, psicóloga e CEO da Imnd.
O Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais em todo o Estado do Rio de Janeiro (Secovi Rio) oferece uma equipe jurídica e os condomínios afiliados contam com até 3 sessões de mediação extrajudicial gratuitas por ano. Ainda oferece a Disciplina de Conversação Não Violenta e Inteligência Emocional no curso de capacitação em administração de condomínio.