O ano de 2023 começa com a atenção de investidores e bancos voltada para o Tribunal Superior Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que proferirão, respectivamente, decisões que decidem o momento em que o ITBI (Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis) deve ser pago e de quem é a responsabilidade do pagamento do IPTU no caso de financiamento de bancário com alienação fiduciária.
“O STF havia decidido que somente ocorreria o fato gerador com a efetiva transmissão da propriedade imobiliária que se dá com o registro da transmissão no Registro de Imóveis (art. 1245, caput e § 1º do Código Civil). O município de São Paulo interpôs embargos de declaração alegando que o art. 156, inciso II da Constituição Federal, na sua parte final, autorizaria a cobrança pela cessão de direitos sobre os imóveis”, explica David Marques, professor de Direito Tributário da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio. E completa: “O Ministro Luiz Fux (relator) ia negar provimento aos embargos de declaração, mas, o Ministro Toffoli abriu divergência argumentando que a Jurisprudência do STF ainda não havia examinado o problema da cessão de direitos”.
David Marques diz também que na seção anterior, a maioria do tribunal votou pela revisão da Tese de Repercussão Geral para reexaminar a possibilidade de cobrança do ITBI na hipótese de cessão de direitos reais e sobre os contratos de transferência de titularidade de imóveis (que acontece quando, por exemplo, alguém que comprou o apartamento na planta, transfere o contrato para terceiros que não participaram do negócio original).
Flávia Sant’Anna Benites, sócia do Ernesto Borges Advogados, coordenadora do núcleo especializado em Direito Tributário do escritório, explica que o ITBI é um tributo municipal, e portanto, regido pela lei de cada município que determina o pagador. “Dispõe o Código Tributário Nacional em seu Título II, Capítulo III, Seção III, art. 42, que no caso do ITBI o “contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei”. Digno de nota que o entendimento munícipe diverge quanto ao contribuinte nas cessões de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda, alguns Municípios mencionam que os contribuintes são os cedentes, ou seja, aqueles que transferem a terceiro (cessionário) seus direitos, outros Municípios indicam como contribuintes o cessionário, desta forma, deve ser verificado a legislação Municipal local”, explica.
IPTU
Com relação a responsabilidade do pagamento do IPTU no caso de financiamento de bancário com alienação fiduciária, David Marques, professor de Direito Tributário, diz que o contrato de alienação fiduciária é um ajuste no qual o alienante (que figura como dono do imóvel, sem os atributos da posse) é credor do adquirente (é bastante comum em compra e venda de veículos e, agora é possível em relação aos imóveis). “O imóvel é uma garantia do cumprimento do contrato. Se o devedor deixar de honrar as prestações ele deixa de ter a posse do imóvel que é facilmente recuperado pelo credor (alienante) que consolida a propriedade. Por outro lado, uma vez pagas todas as prestações o adquirente fiduciário consolida a propriedade”, explica. E completa: “No caso do processo o que se discute é: como o credor é o proprietário do imóvel (sem os atributos da posse) o município poderia escolher de quem exige o pagamento, do adquirente ou do alienante.
Para Flávia Sant’Anna Benites, no caso de uma mudança de entendimento no sentido do comprador ser considerado o contribuinte do IPTU nos casos de alienação fiduciária, seria quase certo apontar a redução nas taxas de financiamento, tendo em vista a eliminação de um risco para a instituição bancária, que não mais teria que arcar com possíveis dívidas tributárias – caso a responsabilidade solidária não seja acatada. “Mesmo que o comprador passe a ser considerado o polo passivo legítimo da relação tributária, caso a responsabilidade solidária persista, não vislumbra-se grandes mudanças no mercado, dado que no caso de inadimplência, a instituição financeira pode ser acionada para o pagamento integral da dívida. Assim, não se pode afirmar categoricamente que haveria uma perda para alguma das partes, mas com certeza a modificação total de entendimento do Superior Tribunal favoreceria as instituições financeiras com menores riscos, e os compradores com menores taxas”, diz.
O que esperar das decisões
Em relação ao ITBI, para David Marques, a posição mais conservadora, que afirma que só incide o imposto no momento do registro, se baseia não na Constituição, mas na regra do CTN, art. 110, que, resumidamente, afirma que os institutos do direito civil não podem ser alterados pelo legislador apenas para tributar. “É uma interpretação infraconstitucional, que, todavia, o STF já adotou em outros processos, como no caso da locação de bens móveis e a incidência de ISS”, diz. “A tendência, me parece, será de mudança da orientação por uma margem pequena de votos, afirmando a incidência também na cessão de direitos. Isso, todavia, não resolve todo o problema porque, a legislação municipal vai precisar se adaptar para definir o momento da ocorrência do fato gerador”, ressalta. E acrescenta:“Muitas cessões deste tipo ocorrem sem registro no RGI. Outro elemento a definir é a base de cálculo do imposto. Porque na operação de cessão de direitos não se transmite a íntegra da propriedade, então será necessário também, definir melhor a base de cálculo. Enfim, nada está totalmente definido quanto aos efeitos na vida das pessoas”, explica.
“No caso do ITBI, julgo que a Suprema Corte havia dado decisão satisfatória ao caso, no sentido de que o ITBI somente pode ser exigido quando do registro em cartório da cessão de direitos. Isso porque, como já exposto, o Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis tem por fato gerador a transmissão da titularidade de imóveis ou direitos, transmissão esta que só é perfectibilizada com o registro em cartório. Já no que concerne ao IPTU, sabe-se que os contratos de alienação fiduciária constam cláusula de direito de regresso contra compradores que não honram suas obrigações tributárias. De tal modo que, mesmo que a instituição financeira realize o pagamento frente à Fazenda Pública, depois este valor é cobrado do comprador (devedor). Assim sendo, transferir o polo passivo da obrigação diretamente ao comprador diminuiria as taxas devidas pelo risco do contrato, bem como impediria a judicialização de milhares de ações de ressarcimento”, explica Flávia Sant’Anna Benites.
Como ficam os negócios imobiliários?
Para David Marques, todas essas decisões judiciais implicam impactos econômicos. “Se os bancos que normalmente firmam esses empréstimos imobiliários puderem vir a sofrer a cobrança do IPTU isso, logicamente, ficará embutido no custo do empréstimo. Ou seja, haverá aumento na taxa de juros dos empréstimos realizados por alienação fiduciária em garantia de imóveis para todos os consumidores que adotam essa modalidade de contratação”, prevê Flávia Sant’Anna Benites.
A advogada analisa que essas questões sobre ITBI e IPTU, impactam diretamente nos negócios imobiliários no que concerne à cessão de direitos de compra e venda. “Nota-se que a maioria das legislações municipais acusam o recolhimento do ITBI antes do registro em cartório, mesmo sem a efetiva transferência de propriedade. Assim sendo, o ITBI é devido em cada assinatura de contrato de cessão de direitos, o que acaba por dificultar as transações. Ademais, a insegurança jurídica propiciada pela existência de inúmeras normas que tratam sobre o assunto, aliada às diversas mudanças de entendimento da Suprema Corte, cria certa hesitação na celebração de contratos que envolvam o tema”, analisa. E acrescenta: “Caso ambas questões cheguem aos fins acima almejados, a compra de imóveis tende a ser facilitada, vez que: primeiro, não haverá incidência de custos tributários quando da mera assinatura de contrato de cessão de direitos, tornando o negócio mais célere e menos custoso e segundo, os financiamentos terão seus custos reduzidos e podem até mesmo ser facilitados”.