A Lei 14.967/2024, que reformula o Estatuto da Segurança Privada, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 9 de setembro, em uma decisão considerada um marco histórico para o setor. Apesar de ter sido aprovada com sete vetos, a nova legislação abre um caminho importante para regulamentar o segmento e reduzir o elevado número de empresas de segurança que operam clandestinamente no país.
A nova norma sancionada substitui a Lei 7.102/83, que estava em vigor há 41 anos, estabelecendo novas regulamentações para empresas de segurança privada e transporte de valores. Essas companhias deverão obter autorização da Polícia Federal, após serem submetidas à fiscalização.
Marco Barbosa, diretor da unidade brasileira da Came, líder mundial em produtos de controle de acesso, destacou a importância da nova legislação diante do preocupante cenário de ilegalidade no setor de segurança no Brasil. Um relatório recente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Segurança Privada (Contrasp), que representa sete federações e 82 sindicatos, revelou a existência de 11.231 empresas clandestinas, em contraste com apenas 2.694 formalmente registradas no país.
“No meu ponto de vista, tudo que pudermos ter que garanta uma certificação, uma normatização, é muito bom para o mercado e para os seus clientes. Desta maneira, os usuários dos serviços prestados saberão que estará sendo disponibilizado a eles produtos de alta qualidade, certificados por órgãos de fiscalização, cuja ação atestará que os produtos oferecidos funcionam como prometido quando foram vendidos ou anunciados”, analisa Barbosa.
O especialista em segurança e diretor da Came também considera que a aprovação do novo Estatuto da Segurança Privada era urgente também para ajudar a tornar cada vez mais inviável a atuação das empresas que figuram de forma ilegal neste mercado. “Infelizmente, esse grande número de companhias clandestinas é um sintoma do Brasil para grande parte dos setores. Não é uma exclusividade da área de segurança.
O texto da lei sancionada no último dia 9 destaca que o novo estatuto regulamenta também a segurança eletrônica, que se expandiu de forma desordenada, gerando desemprego e concorrência desleal, já que não exige profissionais devidamente habilitados. Nesse contexto, a Contrasp, com base em dados de juntas comerciais de estados das cinco regiões, aponta que, atualmente, para cada empresa legalizada no setor de proteção privada, existem quatro clandestinas.
“Muitas vezes, a empresa não tem o suporte financeiro necessário para se regularizar. Então, como todo mundo precisa trabalhar ou necessita de algum serviço de segurança, muitos acabam recorrendo à solução mais fácil e mais barata, que nunca é a melhor para se proteger contra a violência e a criminalidade. Então, essa diferença expressiva do número de companhias regulares e irregulares é um sintoma que vamos encontrar em vários setores no Brasil. É um problema muito mais profundo, que precisa ser revisto dentro da esfera federal, como ocorre agora por meio do estatuto sancionado neste mês pela presidência”, reforça o diretor da Came.
Fiscalização eficiente é fundamental
O Estatuto da Segurança Privada aponta uma direção para transformar o perfil deste mercado no Brasil, mas essa almejada condição só será uma realidade se houver uma fiscalização eficiente, que aplique punições às empresas clandestinas e não permita que elas sigam funcionando irregularmente. O fato é alertado por Barbosa, que agora espera ver a legislação vigorar, de fato, na prática. “Em teoria, a nova lei traz benefícios ao consumidor final, que vai ter produtos e profissionais melhores para atendê-lo e equipamentos com certificação, atestando aquilo que eles se propõem a entregar. Então, o estatuto proporciona ao mercado um cenário mais arejado. Mas, com o tempo, se isso for se perdendo por falta de fiscalização, vamos voltar para a mesma situação de hoje, já que, por mais que tenhamos as leis atualizadas, o consumidor muitas vezes acaba buscando a solução mais fácil dentro do mercado, que não é a melhor, mas a mais barata, oferecida pelas empresas ilegais”, enfatiza.
A Associação Brasileira das Empresas de Segurança Eletrônica (Abese) também analisa, inicialmente, com certa cautela os impactos do estatuto. Embora reconheça a enorme importância que a aprovação da nova lei representa para o seu setor, a entidade revela que já está trabalhando na criação de um dossiê detalhado com as particularidades do segmento, para apresentá-lo à Polícia Federal, responsável pela regulamentação da legislação recém-sancionada.
“Para o nosso mercado, a regulamentação trará maior segurança jurídica, elevando os padrões de qualidade e combatendo a concorrência desleal. Teremos um mercado mais estruturado, com normas claras que valorizam as empresas e profissionais comprometidos com a excelência”, projeta Selma Migliori, presidente da Abese, que, em 2007, entregou diretamente ao então deputado federal Michel Temer a proposta para regulamentar o setor.
Barbosa concorda com a visão de Selma e recorda que o mercado brasileiro de segurança é muito exigente, tendo em vista os altos índices de criminalidade no país. Entretanto, pondera que é preciso oferecer condições para as companhias deste setor reunirem condições de cumprir as obrigações do novo estatuto.
“A regulamentação chega para ajudar muito. A grande preocupação agora é saber como e em quanto tempo as empresas vão se adaptar a ela. E precisamos esperar para ver como a Polícia Federal conseguirá atuar em tantas empresas que prestam serviços de segurança e fiscalizar o enorme número de produtos deste mercado, com qualidade boa, ruim ou duvidosa, que precisarão ser testados para ganhar uma certificação ou serem reprovados. Acho que esse é o grande desafio”, ressalta o diretor da Came, que finaliza com um questionamento: “Como será realizado esse processo de transição para as companhias poderem se preparar para essa nova fase? E esse processo não pode ser feito ‘da noite para o dia’, pois grande parte delas não tem recurso financeiro e nem sequer humano para uma rápida adaptação”.