Quando alguém me pergunta se lixo zero é possível, eu sempre devolvo outra pergunta: em qual escala? Falar de lixo zero em um Estado inteiro é imaginar um quebra-cabeça com peças espalhadas, sistemas diferentes, interesses diversos, estruturas que não conversam entre si e uma complexidade que escapa das mãos de qualquer gestor. Tentar controlar isso tudo ao mesmo tempo, é quase um exercício de ficção científica. Mas reduza o tamanho da lente e imagine outra cena.
Imagine um condomínio.
Um conjunto de torres, centenas de pessoas, rotinas que se repetem, regras próprias, variáveis claras. Imagine uma pequena cidade vertical onde, ao contrário do caos urbano, quase tudo pode ser mapeado, monitorado, ajustado. Se existe um lugar onde lixo zero deixa de ser slogan e vira método, é ali. E não por acaso: num condomínio, você sabe exatamente que tipo de lixo entra, qual sai, como se gera e quem está por trás de cada etapa desse ciclo .
O grosso dos resíduos, orgânicos, recicláveis e especiais como pilhas, baterias e óleo, já tem caminhos seguros e conhecidos. O restante, como pequenos resíduos de saúde de moradores ou embalagens de manutenção predial, é administrável. A diferença está em outra camada: a cultura. E cultura não nasce por decreto.
Sempre repito que tudo que é feito por imposição funciona mal, ou funciona de forma traumática. Engajamento é outra coisa. Engajamento começa quando o morador entende, visualiza, participa. É por isso que nossas ações se iniciam antes mesmo da coleta: na visita técnica, na adesivagem das áreas comuns, na entrega de manuais que explicam ao síndico e ao morador o básico, o que é orgânico, o que é reciclável, como descartar, o que acontece quando se erra e quando se acerta .
Depois vêm os vídeos, os conteúdos práticos, a comunicação leve. E, talvez o mais transformador de tudo: as crianças. Quando uma criança vira fiscal do condomínio, com crachá, entusiasmo e aquele senso de missão que só os pequenos têm, ela arrasta o adulto com ela. Primeiro vira brincadeira. Depois, hábito. E, no fim, cultura. Cultura que se espalha corredor por corredor, apartamento por apartamento.
E como isso se traduz na prática?
A experiência do síndico profissional Juliano Rabelo é um bom exemplo. Ele administra dez condomínios e vive, todos os dias, essa lógica de pequenas mudanças que geram grandes impactos. Quando relata que a separação melhorou, que as lixeiras deixaram de ficar bagunçadas, que a comunicação constante, seja por panfletagem, ações com crianças ou grupos de WhatsApp, mudou o comportamento dos moradores, ele está descrevendo exatamente o que defendemos: lixo zero nasce da soma entre estrutura e gente, entre processo e educação .
Condomínios são laboratórios perfeitos. Ali, as variáveis não escapam pelas bordas. Ali, é possível ver, quase em câmera lenta, cada fase da transformação: primeiro o entendimento, depois a mudança individual, depois a mudança coletiva. E quando esse ciclo se fecha, o condomínio deixa de apenas “produzir menos lixo”. Ele passa a fazer parte de algo maior: uma nova forma de cuidar de um território, de enxergar impacto e de construir futuro.
No corredor de um prédio, dentro de uma casa, no gesto de colocar o lixo no lugar certo, é ali que o lixo zero começa. E é ali que ele se prova possível.
Rubens Lopes é cofundador da Eko Bee e uma das lideranças do Grupo Eko, criado para oferecer soluções sustentáveis ao cotidiano de condomínios, comércios e indústrias. Formado em Administração, com especialização em varejo, reúne experiência executiva e visão empreendedora voltada à geração de impacto ambiental e social.
