O fogo começou às 9 da manhã. Em minutos, consumiu a sala, engoliu os cômodos e transformou o lar da dentista Júlia Futaki em um quarto de fumaça, pânico e impotência. O prédio, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, deveria ter extintores, mangueiras e sistema de alarme. Não tinha. Ou tinha, mas nada funcionava.
“Gritei por socorro. Ninguém ouvia. Não havia alarme. Peguei o extintor, mas estava vencido. Quando os bombeiros chegaram, não havia mangueira em funcionamento nos andares”, contou Júlia, que teve perda total no imóvel. E, pior: descobriu que o condomínio sequer tinha seguro contra incêndio.
O caso virou símbolo de uma negligência coletiva que muita gente só descobre quando já está no centro da fumaça: o despreparo crônico de muitos condomínios brasileiros para lidar com situações de emergência.
Afinal, quem é responsável quando tudo falha?
O advogado especialista em direito condominial e patrimonial, Dr. Issei Yuki destaca de forma direta: o síndico é o principal responsável legal pela segurança das áreas comuns. Cabe a ele garantir que todos os equipamentos estejam instalados, funcionando, dentro da validade e em conformidade com o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) — documento obrigatório que atesta a segurança contra incêndios do edifício.
Se o AVCB estiver vencido ou inexistente, ou se os equipamentos estiverem danificados ou irregulares, o condomínio (e o síndico, pessoalmente) pode ser responsabilizado civil e criminalmente.
Mas a responsabilidade pode se estender a terceiros:
- Empresas de manutenção terceirizadas, quando há falha técnica no serviço prestado.
- Administradoras de condomínio, se houver omissão no controle e fiscalização.
- Os próprios condôminos, em assembleias que se recusam a aprovar investimentos em segurança, o que é mais comum do que se imagina.
Segurança condominial não é estética — é obrigação legal
A legislação é clara. Segundo normas estaduais e municipais, todo condomínio deve manter em dia:
- Extintores com recarga válida e sinalização clara
- Mangueiras e hidrantes acessíveis e testados regularmente
- Sistema de alarme e rota de fuga sinalizada
- AVCB válido e visível nas áreas comuns
- Treinamento básico de emergência para funcionários
A negligência em qualquer desses pontos pode agravar tragédias, gerar ações judiciais milionárias e, pior, custar vidas.
O que aconteceu em São Paulo pode acontecer no seu condomínio
O prédio onde Júlia morava é um condomínio de padrão médio-alto. Tinha portaria, câmeras, zelador. “Achávamos que estávamos seguros”, disse uma vizinha. E é justamente esse conforto aparente que mascara o risco.
Quantos moradores sabem se o AVCB está em dia? Quantos já testaram os extintores? Ou sabem onde está a saída de emergência?
Em muitos edifícios, as medidas de segurança são tratadas como um “custo chato” na assembleia, e não como um item vital de proteção coletiva. Só que o fogo, diferente das planilhas, não aceita negociação.
E quando há omissão, o que a lei permite?
Moradores afetados por tragédias como essa podem recorrer à Justiça. O condomínio pode ser obrigado a indenizar por perdas materiais e morais. E o síndico, se comprovada negligência, pode ser pessoalmente responsabilizado.
“A omissão na manutenção de sistemas de combate a incêndio, especialmente quando resulta em danos concretos, pode configurar crime de exposição a perigo, além de gerar responsabilidade civil solidária entre condomínio e gestor”, explica o advogado Issei Yuki.
Em casos graves, o Ministério Público pode intervir e processos criminais podem ser instaurados contra os responsáveis.
Condomínios não podem funcionar como hotéis: não basta ter aparência de ordem, é preciso garantir funcionamento real de tudo aquilo que protege vidas. E isso começa em decisões simples, como não adiar manutenções, cobrar do síndico relatórios e exigir a renovação do AVCB.
Porque, no fim das contas, a diferença entre um susto e uma tragédia pode estar naquele extintor pendurado na parede. E no cuidado (ou descaso) de quem deveria garantir que ele funcione.