Terraços amplos, jardim, piscina e churrasqueira. Esses são alguns dos prazeres que você, sua família e amigos podem desfrutar com exclusividade e privacidade ao optar por morar em um apartamento de cobertura.
Esses diferenciais adicionados a uma vista belíssima e uma área privativa superior a das demais unidades, faz com que as coberturas sejam um objeto de desejo de todo o empreendimento.
Mas, nem tudo são flores. Os benefícios exclusivos também exigem responsabilidades específicas para o condômino desta unidade. Um exemplo disso está no parágrafo 5º do artigo 1.331 Código Civil, o qual informa que o proprietário do imóvel instalado no último andar do condomínio edilício, não tem direito de realizar na cobertura, quando caracterizado como área comum, quaisquer inovações, reformas, construções ou desempenhar qualquer ato de uso exclusivo, exceto se houver previsão expressa em título. “As construções não autorizadas é um problema que acontece com certa frequência pelo fato de o condômino acreditar, por estar em sua unidade, que pode fazer o que bem deseja”, explica Diogo Pistono, advogado especializado em direito condominial e sócio do PDK Advogados.
À gosto do freguês, pero no mucho
Na maioria dos casos, a não permissão de novas construções na área privativa das coberturas é por conta do limite de área útil construída – regulamentada por leis municipais – já foi esgotado pela incorporação. Por isso, os eventuais acréscimos serão clandestinos e poderão ser denunciados judicialmente pelo síndico ou qualquer condôminos. E caso a obra já esteja pronta, será demolida e o morador deverá indenizar o condomínio por danos decorrentes.
Esse quadro só muda se a convenção permitir obras e se houver previsão estrutural para suportar os acréscimos de peso, de energia elétrica, de fornecimento de água, escoamento pluvial e de esgoto, por exemplo. E sem alterar a fachada do prédio.
“Obras que comprometam a segurança do edifício ou que alterem a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas são legalmente proibidas. Do mesmo modo, não é permitido utilizar a unidade de maneira diversa que tem a edificação, de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. Além disso, de acordo com a NBR 16.280, da ABNT, qualquer reforma que afete a estrutura, as vedações ou sistemas do apartamento ou do prédio deve ser previamente aprovada pelo síndico”, orienta Pistono.
Inadequação que pesa no bolso
Segundo a gerente predial da Estasa, Carla Santos, em seus seis anos de atuação no mercado os principais problemas que enfrentou com os moradores de cobertura foram vazamento de piscinas ou das áreas externas do apartamento e dificuldades em ter acesso a unidade para fazer manutenção na fachada. E ela dá uma dica para como os síndicos devem lidar com os condôminos desta unidade que se neguem a cumprir as regras coletivas: “Envie notificação e faça aplicação de multas, seguindo o que foi previamente definido em regimento interno e convenção. E em casos mais graves, acione judicialmente”, orienta.
Fala Especialista
Conversamos com Roberto Bigler, diretor-adjunto Jurídico da ABADI (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis), para ajudar você, síndico ou condômino, a saber mais sobre os direitos e deveres de quem mora na cobertura.
Quais são os principais problemas que um gestor condominial enfrenta com quem reside na cobertura?
Roberto Bigler: Talvez o maior desafio de um síndico no trato com um morador de cobertura seja quando se está diante, por exemplo, de um vazamento neste tipo de unidade autônoma. É muito comum não existir consenso sobre a responsabilidade da reparação, se do condomínio ou do condômino.
Em situações como essas, é muito importante que o condomínio esteja assessorado por uma boa administradora, que possua um corpo técnico qualificado, de modo a auxiliar os envolvidos na resolução do conflito.
E quais são os que os moradores de cobertura enfrentam?
Roberto Bigler: A experiência nos diz que, além dos problemas de vazamento, que como dito acima são muito comuns em coberturas, há também uma grande recorrência de conflitos no que tange a definição de quais áreas são de uso exclusivo ou não dessas unidades autônomas. A depender da configuração do edifício e do regramento interno, de fato torna-se muito difícil essa conclusão. A título de exemplo, podemos destacar dúvidas como se o terraço pertence a cobertura, se é possível o fechamento de uma determinada área descoberta etc.
Que tipo de reparo é responsabilidade do condômino?
Roberto Bigler: Dois artigos no código civil regulam essa matéria. O primeiro deles, o artigo 1.340, nos diz que ‘as despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve’. Esse dispositivo nos informa que uma área de uso exclusivo, independentemente se for em cobertura ou não, ainda que comum, o seu custeio com manutenção e conservação caberá àquele que se utiliza do espaço.
O segundo artigo, 1.344, mais específico em relação às coberturas, esclarece o seguinte: ‘ao proprietário do terraço de cobertura incumbem as despesas da sua conservação, de modo que não haja danos às unidades imobiliárias inferiores’. Neste último caso, numa leitura a contra senso, podemos compreender que se o terraço pertencer à unidade autônoma de cobertura, ao titular desta caberá a reparação. Do contrário, se pertencer ao condomínio, a este pertencerá o custeio com manutenção e conservação.
Se o morador da cobertura se sentir lesado, o que ele deve fazer?
Roberto Bigler: Em sendo feita a avaliação adequada do caso concreto, ou seja, com base em um parecer técnico de um profissional de engenharia ou arquitetura, conforme o caso, bem como orientação técnica ou parecer jurídico de uma administradora ou de um advogado, respectivamente, e sendo constatado que a responsabilidade da reparação é do condomínio, por exemplo, o ideal é que tudo comece pela tentativa de resolução extrajudicial. Isto é, deve o condômino buscar uma conversa amigável com o síndico, apresentando seus fundamentos técnicos, de modo a evitar a judicialização, a qual só deverá ocorrer em último caso.
Quais tipos de reforma e uso da unidade não são permitidos ou que devem passar pela aprovação via assembleia?
Roberto Bigler: Em regra, as reformas em unidades autônomas não precisam passar pelo crivo de uma assembleia de condôminos, salvo aquelas que possam alterar o conjunto arquitetônico do edifício, onde deverá ser respeitado o quorum adequado. O mais importante nesses casos, é que o condômino que deseje reformar a sua unidade execute um plano de reformas de acordo com a NBR 16.280 da ABNT e o submeta à apreciação do síndico antes mesmo de iniciar a obra. Isso é importante para garantir a adequação técnica dos trabalhos a serem executados, evitando, assim, riscos para a coletividade, além de dar conhecimento ao condomínio de como será operacionalizada sua execução.
Como criar uma relação harmônica entre o síndico, condôminos e moradores de cobertura?
Roberto Bigler: Para que haja harmonia entre esses atores, é imperioso que todos tenham inicialmente clareza do cenário técnico-jurídico da situação em si. Isto é, eles precisam ter plena consciência dos seus direitos e deveres constantes tanto da lei quanto dos instrumentos normativos internos. Ultrapassada essa etapa, essas pessoas devem partir para um segundo passo, qual seja, o desejo de conciliar. Sem este sentimento torna-se impossível a vida em condomínios, criando relações beligerantes que só dificultam a resolução de questões muitas vezes até simples de se resolver.
Como proceder caso o morador de cobertura não cumpra as regras coletivas?
Roberto Bigler: Em casos como estes, é importante que o síndico inicialmente tente conversar com o condômino infrator e tente dissuadi-lo da prática. Se isso não for possível ou não surtir efeito, deve então partir para uma notificação extrajudicial, observado sempre o procedimento da convenção, de modo a viabilizar, se for o caso, a aplicação das penalidades constantes neste instrumento – ou da lei, caso não haja previsão na convenção. A garantia do direito de defesa é essencial nessas situações. Se isso ainda assim não for suficiente para estancar a prática indevida, pode o síndico, assistido por um advogado, buscar o judiciário visando inibir o morador da prática indevida.