A economia compartilhada tem transformado a vida em condomínio ao privilegiar o uso coletivo de recursos e serviços em vez da posse individual. O objetivo desse modelo é reduzir custos, combater o desperdício e incentivar um estilo de vida mais sustentável e colaborativo. O crescimento de práticas como car sharing, lavanderias inteligentes e uso compartilhado de ferramentas e espaços de trabalho, como os coworkings, reflete uma mudança de comportamento da população diante da exaustão do hiperconsumo.
A adoção dessas iniciativas traz benefícios claros: diminuição de gastos individuais, otimização de áreas e equipamentos, incentivo à sustentabilidade e fortalecimento do senso comunitário. Ainda assim, muitos condomínios enfrentam resistência interna, especialmente por preocupações relacionadas à segurança, ao aumento de circulação de pessoas e ao uso irrestrito e incentivado das áreas comuns. Nesse contexto, a regulamentação jurídica interna é a chave para viabilizar essas práticas de forma segura.
Instrumentalização legal: Código Civil e autonomia condominial
De antemão, faz-se necessário destacar que não há, atualmente, legislação específica que trate diretamente da economia compartilhada em condomínios. O respaldo jurídico para essas práticas decorre, sobretudo, da interpretação do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) e da Lei de Condomínios e Incorporações (Lei nº 4.591/1964), que estabelecem as bases para a convivência condominial, o uso das áreas comuns e a organização interna do empreendimento.
A legalidade de iniciativas como car sharing, coworking e lavanderias coletivas, por exemplo, depende da conformidade com a Convenção Condominial e com o Regimento Interno de cada condomínio, que são as normas máximas de gestão e convivência. Cabe à Assembleia de Condôminos deliberar sobre a adoção dessas práticas, definir regras, estabelecer limites e fixar penalidades de modo claro e adequado à realidade dos condôminos.
Limites e permissões Legais para práticas específicas
Car sharing – Compartilhamento de veículos
Trata-se de prática que visa oferecer mobilidade prática aos moradores, permitindo a locação de veículos dentro do condomínio, com pagamento proporcional ao uso. Como não há regulamentação legal específica, sua implementação depende exclusivamente de aprovação em Assembleia e da inclusão de normas no Regimento Interno sobre funcionamento, horários e responsabilidade por eventuais danos.
No que se refere a esse serviço, vale destacar a possibilidade de aplicação, por analogia, da Súmula 492 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “a empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado”. Assim, no contexto do car-sharing em condomínios, admite-se que o condomínio, a depender da análise do caso concreto, da comprovação do nexo causal e, em algumas situações, de previsão expressa na convenção condominial, possa ser responsabilizado por eventuais danos causados a terceiros
Lavanderias coletivas inteligentes
Tanto o Código Civil quanto a Lei de Condomínios e Incorporações não proíbem a criação de lavanderias coletivas. Assim como no caso do car-sharing, sua viabilidade depende da regulamentação interna. A instalação exige aprovação em Assembleia, por maioria simples ou conforme previsto na Convenção, e regras claras sobre funcionamento, contratação de fornecedores, reservas, manutenção dos equipamentos e responsabilidades dos usuários para com os itens de uso comum nas dependências da lavanderia.
Espaço de coworking
Já a criação de um espaço de coworking em área comum do condomínio, que também exige previsão na Convenção ou aprovação assemblear para destinar o local a essa finalidade, deve ter previsão no sentido do uso ser restrito aos moradores e voltado exclusivamente às atividades de home office, considerando que, usualmente, não é permitida a instalação de empresas com atendimento ao público externo em imóveis residenciais.
Inclusive, entre as regras a serem definidas a respeito de espaços de coworking para que melhor se encaixem nos interesses dos moradores de cada condomínio, é importante que seja levado em consideração até mesmo a definição de normas de silêncio, a fim de evitar incômodos em ambientes destinados às atividades de trabalho.
Segurança jurídica: o papel da regulamentação
A economia compartilhada em condomínios apresenta grande potencial, mas sua implementação segura depende do respaldo jurídico adequado. É a assembleia de condôminos que garante a legalidade e a previsibilidade, ao aprovar regras internas que preservem o direito de vizinhança, o sossego e a destinação residencial do empreendimento.
Portanto, se o seu condomínio pretende adotar práticas modernas, sustentáveis e colaborativas, o primeiro passo é regulamentar essas iniciativas com segurança jurídica, iniciando esse cuidado com a atualização da Convenção e do Regimento Interno, garantindo que a implementação da economia compartilhada ocorra de forma eficaz, legal e alinhada aos interesses dos moradores.
*Por Maria Carolina Martinho de Oliveira, advogada da área de Direito do Consumidor do Silveiro Advogados, é graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
