Esse tema, em que pese parecer ser algo recente, já vinha sendo debatido há muito tempo pela doutrina especializada na seara do condomínio edilício, ante a evolução das tecnologias que permitem aos condôminos reunirem-se para deliberar em assembleia de modo diverso ao exclusivamente presencial.
Nessa toada, foi que o legislador infraconstitucional inseriu no código civil, através da Lei nº 13.777/2018, no capítulo relativo ao condomínio em multipropriedade, o artigo 1.358-Q, que diz o seguinte: “Na hipótese do art. 1.358-O deste Código, o regimento interno do condomínio edilício deve prever: (…) VIII – a possibilidade de realização de assembleias não presenciais, inclusive por meio eletrônico.”
Não obstante a previsibilidade do ordenamento jurídico para a realização de uma assembleia em formato eletrônico, fato é que sua utilização ainda era muito tímida, para não dizer quase inexistente, ante ao costume dos condomínios em realizá-las presencialmente.
Infelizmente, com o surgimento da pandemia causada pelo coronavírus, não restou outra alternativa aos condomínios a não ser o manejo da tecnologia para que os condôminos pudessem tratar de assuntos de interesse da comunidade condominial, considerando a impossibilidade material dos mesmos reunirem-se no formato presencial.
Tal situação, ao bem da verdade, foi o motor que impulsionou sobremaneira a necessidade de utilização desse meio como forma de realização de assembleia, bem como o debate doutrinário sobre o tema e a movimentação dos legislativos Brasil à fora.
Apesar de, como dito acima, ao nosso sentir já existir à época da pandemia previsão na lei para a realização das assembleias em formato eletrônico, fato é que para a sua realização dependeria minimamente de previsibilidade nos atos normativos internos dos condomínios, algo que era demasiadamente custoso, para não dizer inviável, para os condomínios alcançarem naquele momento.
Pensando nisso, foi que o mesmo legislador infraconstitucional criou o chamado RJET – Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações de Direito Privado (Lei nº 14.010 de 10 de junho de 2020), o qual previa no caput do seu artigo 12 o seguinte: “A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial”.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, em que pese de constitucionalidade duvidosa, foi criada a Lei nº 8.836 de 21 de maio de 2020, a qual, dentre outras coisas, previa que: “Art. 2º Visando evitar a propagação do contágio do novo Coronavírus, ficam recomendados e autorizados os condomínios edilícios, sem prejuízo do disposto nas normas próprias já baixadas pelo Poder Executivo, enquanto durar o estado de calamidade pública por conta do novo coronavírus: (…) II – a não realizar assembleias gerais por meio materialmente presencial”.
Importante destacar que mesmo antes do surgimento dessas duas últimas leis no cenário da pandemia, a Abadi (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis) e a AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), criaram conjuntamente no mês de maio de 2020, talvez o primeiro protocolo de assembleias virtuais do Brasil, onde, em apertada síntese, independentemente de previsão em lei ou nos instrumentos normativos do condomínio, firmou-se o entendimento pela validade jurídica das assembleias híbridas.
Em suma, todas essas manifestações, sejam do Poder Legislativo ou de Instituições que se dedicam ao estudo do tema, trouxeram um pouco de luz e segurança jurídica para os condomínios, garantindo aos mesmos a realização de suas assembleias com menores riscos de invalidade.
Assembleias eletrônicas: uma realidade
Em março de 2022, finalmente o PL 548/2019, de autoria da senadora Soraya Thronicke, foi convertido na Lei nº 14.309, inserindo no código civil, na parte relativa aos condomínios edilícios, o artigo 1.354-A, cujo caput prevê que “a convocação, a realização e a deliberação de quaisquer modalidades de assembleia poderão dar-se de forma eletrônica (…)”.
Uma curiosidade nesse ponto e que diferencia completamente do texto original do projeto de lei, é que neste a viabilidade da assembleia eletrônica (lá denominada virtual) somente seria possível na hipótese de não atingimento de quórum qualificado em convocação presencial, enquanto que na Lei que já está em vigor sua utilização é irrestrita.
Essa alteração de paradigma, cabe aqui a ressaltar, deveu-se aos esforços conjuntos dos representantes das entidades aqui já citadas, bem como dos SECOVI’s Rio de Janeiro e São Paulo, que juntos ao Relator do Projeto de Lei enviado à Camara dos Deputados, ofereceram substitutivos bem mais adequados à realidade e as necessidades dos condomínios.
Um outro ponto que merece destaque e que diferencia frontalmente o citado Projeto de Lei da Norma que fora sancionada, diz respeito à responsabilidade do condomínio, em apertada síntese, pela conexão dos condôminos à internet. Diz o § 2º, do artigo 1.354-A: “A administração do condomínio não poderá ser responsabilizada por problemas decorrentes dos equipamentos de informática ou da conexão à internet dos condôminos ou de seus representantes nem por quaisquer outras situações que não estejam sob o seu controle”.
Numa leitura preliminar do texto original do Projeto, temos a impressão que sua intenção era de que os condomínios fossem os guardiões desse processo, o que, caso fosse adiante, certamente seria uma forma de inviabilização do ato pelo meio eletrônico.
Interessante observar, ainda, que desta vez o legislador optou por permitir a realização das assembleias eletrônicas independentemente de previsão nos instrumentos normativos condominiais (convenção do condomínio e regulamento interno), somente sendo inviável quando a convenção expressamente vedar tal possibilidade.
Vale ressaltar, oportunamente, que normas complementares podem (e é de bom alvitre que assim seja feito) estar previstas em regulamento interno.
Percebemos aqui um avanço considerável para o manejo dessa ferramenta, pois como é cediço, dada a dificuldade de alteração de uma convenção ou do regulamento interno, se tal possibilidade (realização de assembleias por meio eletrônico) fosse condicionada a inserção nos mesmos, certamente o instituto iria demorar muito a ser uma realidade nos condomínios.
Feita essa breve análise, mais algumas questões nos são permitidas colocar. Salvo na hipótese de previsão tratando do assunto no regimento interno (específico ou na parte que trate das assembleias eletrônicas), é prerrogativa do síndico do condomínio a escolha de qual meio deverão ser realizadas as assembleias do condomínio, seja no formato presencial, eletrônico ou híbrido.
Muito se tem discutido se a possibilidade acima não conferiria muito poder ao síndico, permitindo àqueles que possuem características autocráticas a utilização de determinado meio para dar azo às suas pretensões.
Em que pese a legitimidade dessa preocupação, não nos parece adequado do ponto de vista jurídico utilizá-la como fundamento para não permitir ao síndico tal prerrogativa, já que todo e qualquer ato que o mesmo venha a praticar, inclusive o de convocar uma assembleia, deve ser pautado pelo artigo 187, do mesmo código civil, que trata do abuso de direito.
Desta feita, em sendo constatada a utilização de determinada forma de realização assemblear com o intuito de causar prejuízo à massa condominial (ou a algum condômino em especial), o próprio ordenamento jurídico confere ao jurisdicionado ferramentas capazes de afastar esse ato ilícito.
Sem a intenção de esgotar o tema, outras questões que se mostram relevantes para a adoção desse modo de realização das assembleias e que merecem uma atenção especial dos advogados, dos síndicos, das administradores, enfim, de todo e qualquer ator que atue nesse ecossistema condominial.
A primeira delas é aquela relativa à garantia do exercício do direito político dos condôminos (inciso II), sem a qual certamente a assembleia estará fulminada pela pecha da nulidade, haja vista que tal direito é uma decorrência inexorável das facetas do direito de propriedade garantido constitucionalmente.
Bastante curioso também, é que, salvo melhor juízo, pela primeira vez o ordenamento jurídico trata do assunto ata da assembleia (§ 3º) de condomínio.
Em que pese numa leitura apressada termos a impressão de que somente poderá ser lavrada também pelo modo eletrônico, fato é que há uma tendência de pensamento da comunidade jurídica de que nada obsta ser a mesma lavrada no formato físico, inteligência do parágrafo 6º do mesmo dispositivo que nos ensina que “os documentos pertinentes à ordem do dia poderão ser disponibilizados de forma física ou eletrônica aos participantes”.
Por derradeiro, observamos também que o legislador conferiu uma importância muito maior aos editais de convocação para as assembleias eletrônicas, permitindo que esse documento, ao par de outras previsões constantes do regimento interno, caso haja, traga regras específicas de instalação, funcionamento e encerramento da sessão. É o que se extrai do parágrafo do citado artigo 1.354-A.
Conclusões finais
Vemos com excelentes olhos a inovação do Código Civil nessa parte, garantindo aos condomínios uma adequação às tecnologias que estão à disposição no mercado para auxiliar sua gestão, sem o receio de colocar em risco de nulidade a utilização, no caso em comento, dos mecanismos e plataformas que permitem esse tipo de operação.
Por outro lado, toda essa mudança traz, como dito em linhas anteriores, o dever para todos as pessoas que atuam no universo condominial em aumentar de forma exponencial sua curva de conhecimento e especialização, garantindo aos envolvidos na realização do ato (assembleias eletrônicas) maior segurança jurídica e tranquilidade no desenrolar dos trabalhos da sessão.