A possível adoção da tarifa branca como modelo padrão para consumidores de maior consumo, atualmente em discussão pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), recoloca no centro do debate um tema sensível para síndicos e administradoras: a previsibilidade dos custos de energia elétrica. A proposta, em consulta pública, prevê a aplicação automática da tarifa horária para unidades de baixa tensão com consumo mensal acima de 1.000 kWh, perfil comum a muitos condomínios residenciais e comerciais.
Hoje opcional e com adesão inferior a 1% dos consumidores elegíveis, a tarifa branca estabelece preços diferentes conforme o horário de consumo. Entre 18h e 21h, período de maior demanda do sistema, a energia é mais cara. Fora desse intervalo, especialmente entre 10h e 14h, os valores são reduzidos. Embora tecnicamente funcional, o modelo traz implicações relevantes para a gestão condominial.
Eficiência técnica versus previsibilidade financeira
Do ponto de vista técnico, a ANEEL argumenta que a tarifa horária contribui para aliviar a sobrecarga nos horários de pico e ampliar o aproveitamento da geração renovável ao longo do dia. Para os condomínios, no entanto, o impacto vai além da eficiência sistêmica e alcança diretamente a governança financeira.
Na prática, a tarifa branca transfere para o consumidor parte relevante do risco de variação de custos, exigindo controle rigoroso dos horários de uso, reorganização de rotinas e capacidade operacional. Em condomínios com consumo concentrado no período noturno — como iluminação de áreas comuns, elevadores, portarias e sistemas de segurança — esse cenário pode significar aumento de despesas e maior imprevisibilidade orçamentária.
“Para o síndico, previsibilidade é tão importante quanto economia. Modelos tarifários que variam fortemente por horário exigem um nível de controle que nem sempre reflete a realidade operacional dos condomínios”, avalia Fernando Berteli, CEO da NewSun Energy.
Economia possível, mas não garantida
Condomínios capazes de planejar e redistribuir parte relevante do consumo fora do horário de pico podem, em cenários específicos, obter economia com a tarifa branca. Bombas, sistemas de irrigação, recarga de veículos elétricos e manutenções programadas são exemplos de cargas que podem ser deslocadas.
Ainda assim, especialistas destacam que a economia não é automática nem universal. Ela depende de perfil de consumo, engajamento dos moradores, comunicação constante e disciplina operacional — fatores que frequentemente escapam ao controle direto da gestão. Na maioria dos casos, esses cenários representam exceções, e não a realidade cotidiana dos condomínios.
Experiências internacionais reforçam o debate
Em mercados como o australiano, políticas alternativas vêm sendo testadas para lidar com o desafio da sobrecarga do sistema sem comprometer a previsibilidade do consumidor. Programas que oferecem energia gratuita em determinados horários do dia buscam incentivar o deslocamento do consumo sem impor penalidades diretas nos períodos de pico, reduzindo o risco financeiro para famílias e condomínios.
Embora o contexto brasileiro seja distinto, essas experiências reforçam uma tendência clara: previsibilidade de custos torna-se elemento central na transição energética, especialmente para gestores responsáveis por orçamentos coletivos.
O papel do síndico diante da possível mudança
Com a modernização tarifária em debate, o síndico assume um papel ainda mais estratégico: atuar como guardião da previsibilidade financeira do condomínio. Avaliar tecnicamente o perfil de consumo, simular cenários, comunicar riscos aos moradores e considerar soluções complementares que tragam estabilidade ao orçamento passa a ser parte essencial da boa governança.
Mais do que escolher entre modelos tarifários, a discussão sobre a tarifa branca evidencia um ponto-chave da gestão moderna. Em um cenário de custos crescentes e inadimplência elevada, previsibilidade não é luxo — é ferramenta de governança, proteção do caixa e sustentabilidade financeira de longo prazo.
A consulta pública da ANEEL segue aberta. As contribuições podem ser enviadas até 9 de março de 2026 pelo e-mail cp046_2025@aneel.gov.br. Acompanhar esse debate é fundamental para que condomínios tomem decisões informadas, responsáveis e alinhadas à estabilidade operacional no futuro.
