Desde a promulgação do novo Código de Processo Civil (CPC), em 2015, que revisou as regras de cobrança de cotas condominiais atrasadas, surgiu o mito de que um devedor de condomínio poderia perder seu imóvel em apenas três dias.
Entretanto, essa afirmação é incorreta. Embora um devedor possa perder sua propriedade, isso não ocorreria tão facilmente, como o mito popular sugere. Uma boa gestão condominial deve prezar pela segurança jurídica, cumprindo medidas que garantam ao devedor o direito à ampla defesa, um princípio constitucional aplicável a todos.
Em regra, a legislação protege o direito à moradia, considerando que um bem de família é impenhorável. No entanto, as dívidas condominiais estão entre as exceções à regra geral. A penhora em razão de dívida condominial propter rem (dívida relacionada à propriedade) é uma exceção que permite a penhora e expropriação do imóvel, mesmo que este seja a morada da família e o único bem, conforme estabelece o artigo 3º, inciso IV, da Lei 8.009/90.
O devedor até pode ter seu único bem leiloado para a quitação de cotas condominiais, mas essa possibilidade está condicionada à observância do devido processo legal. Além disso, antes de recorrer ao judiciário, recomenda-se que uma boa gestão condominial inicie a cobrança com algumas providências administrativas que não estão previstas em lei. A administradora do condomínio deve comprovar a existência da dívida, apresentando a demonstração dos débitos condominiais devidamente constituídos, além de realizar a cobrança administrativa dos devedores.
Embora não seja obrigatória, essa notificação prévia é importante para garantir que o devedor tenha pleno conhecimento da dívida, bem como seja concedido um prazo adequado para efetuar o pagamento. Se as medidas administrativas não surtirem efeito, inicia-se a utilização dos procedimentos legais para a execução de cotas condominiais, por meio do ajuizamento de uma Ação de Execução, já que as taxas condominiais podem ser consideradas títulos executivos extrajudiciais, conforme o artigo 784, X, CPC.
O artigo 1.315 do Código Civil de 2002 estabelece que cada condômino deve contribuir para as despesas do condomínio de acordo com sua cota-parte, conforme disposto no artigo 1.336. O artigo 397 destaca que o inadimplemento de obrigações acarreta mora automática para o devedor.
Em relação às taxas condominiais em atraso, a mora é considerada ex re, ou seja, ocorre automaticamente com o vencimento da dívida, independentemente de qualquer ação do credor. Os débitos condominiais são considerados líquidos, têm vencimento certo e podem ser cobrados imediatamente, sem necessidade de notificação prévia.
É essencial comprovar a dívida por meio de documentação do condomínio, que deve incluir a ata que aprova a previsão orçamentária, o registro de imóveis e/ou o contrato particular de compra e venda do imóvel que demonstra quem é o proprietário da unidade, a ata de eleição do síndico atual que representa o condomínio, a convenção do condomínio e a planilha detalhada dos débitos da unidade.
O condomínio credor pode ingressar com a Ação de Execução e o devedor será citado para efetuar o pagamento da dívida, acrescido de juros, multas e honorários advocatícios, dentro de um prazo de três dias.
A partir disso, haverá algumas alternativas: o devedor pode optar por efetuar o pagamento integral e extinguir o processo; pagar 30% da dívida e parcelar o saldo restante em até seis parcelas, conforme o art. 916 do CPC; apresentar embargos à execução que contestem a legitimidade do crédito e/ou alegue vícios processuais para pedir a extinção da dívida. Como última alternativa, se o devedor não se manifestar no processo, o juiz determinará a penhora de bens para garantir o pagamento da dívida.
Em resumo, a perda do único bem do devedor, embora seja viável, só ocorreria após todos os trâmites em respeito às garantias processuais e procedimentais, assegurando que a prestação jurisdicional atenda à finalidade da justiça para proporcionar a cada um o que lhe é devido.
*Por Fernanda Macedo é advogada cível, mestre em Direitos Fundamentais, pós-graduada em Processo Civil e em Direito Empresarial, professora universitária e síndica profissional