Por Daniel Solis e Erick Regis
A vida em sociedade nem sempre é fácil. Certamente todos já ouviram o ditado popular “o seu direito termina onde começa o do outro”. E quando nos deparamos no campo dos condomínios edilícios certamente um dos maiores desafios de um síndico é ter moradores que saibam viver em coletividade, de forma colaborativa e engajada.
O condomínio dos sonhos de um gestor é o lugar onde os condôminos são comprometidos em fazer a sua parte, se atentando às regras, à boa convivência, respeitando o próximo, participando de decisões coletivas e jamais utilizando da sua unidade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade, segurança, contra os bons costumes, entre outros.
E na total ausência desse nexo de interseção entre direitos e deveres dos condôminos, apresentados exemplificativamente, exsurge a figura do condômino antissocial, legalmente prevista no artigo 1.337, parágrafo único, do Código Civil, tratando-se daquele condômino que, por seu reiterado comportamento – com um espectro amplo de possibilidades –, gera uma incompatibilidade de convivência com os demais.
A explicação para a previsão legal – que, aliás, traz segurança jurídica na relação entre coproprietários em um mesmo condomínio edilício – é bastante simples: o direito de propriedade não possui valor absoluto, estando sujeito a um controle pela Constituição Federal, que tem como verdadeiro norte a cláusula geral da dignidade da pessoa humana, pressupondo a todas as relações jurídicas de direito patrimonial uma perspectiva cooperativa e solidária.
De fato, a propriedade é um direito e uma garantia individual, nos termos do art. 5º da Carta Magna. No entanto, o direito de propriedade se sujeita, nos termos do inciso XXIII, do referido art. 5º, da Constituição Federal, ao atendimento de uma função social, ou seja, ao cumprimento de interesses extraproprietários – no caso do condomínio edilício, direitos que transbordam aqueles titularizados pelo proprietário de determinada unidade imobiliária, como, por exemplo, os direitos de outros condôminos –, socialmente relevantes e merecedores de tutela jurídica.
É dizer: o direito de propriedade não pode ser exercido de maneira ampla e irrestrita. O exercício pleno e legítimo de uma situação jurídica proprietária deve, a bem dizer, atender a um ajuste funcional entre os direitos de usar, gozar e dispor de uma unidade imobiliária, e os deveres de não prejudicar ou mitigar, em qualquer aspecto, os direitos dos demais condôminos, sob pena de se enquadrar tal conduta em exercício abusivo de direito (art. 187 do Código Civil).
Portanto, quando determinado condômino venha a tornar impossível a convivência com os demais, por meio de práticas reiteradas tipicamente antissociais, é possível a utilização da norma legal prevista no art. 1.337, parágrafo único, do Código Civil, que autoriza que este condômino seja constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, por quórum qualificado de ¾ dos condôminos restantes, em assembleia geral, até ulterior deliberação.
Discute-se, ainda, a possibilidade de aplicação de penas mais contundentes e gravosas, à luz do caso concreto, quando, por exemplo, a sanção meramente pecuniária não lograr a efetividade necessária para fins de fazer cessar o comportamento temerário, especialmente diante de situações capazes de ofender a segurança geral, bons costumes, entre outros aspectos a serem ponderados à luz da concretude dos fatos pelos demais condôminos.
É o caso, por exemplo, da exclusão ou expulsão do condômino antissocial, que não representará, sobremaneira, o seu alijamento do exercício do direito de propriedade, mas sim a sua limitação funcional, impedindo que o próprio titular siga residindo na unidade imobiliária e frequentando o condomínio, mas permitindo, por exemplo, que o imóvel seja alugado a terceiros, desde que, evidentemente, os comportamentos antissociais não sejam reiterados, em qualquer medida, pelos demais residentes da aludida unidade.
Com efeito, a doutrina e a jurisprudência divergem quanto à possibilidade de utilização de sanções diferentes daquela prevista no art. 1.337, parágrafo único, do Código Civil, para o condômino antissocial, notadamente, a sanção exclusivamente pecuniária, com a aplicação de multa.
Como se observa, a temática ora em debate é bastante vascularizada e envolve direitos e garantias constitucionais. Independentemente das penas que se entendam cabíveis, em conclusão, acredita-se que, para que seja possível lançar mão da dinâmica do art. 1.337, parágrafo único, do Código Civil, em qualquer hipótese, é necessário, quando menos, que seja respeitada a garantia constitucional da ampla defesa em favor do condômino antissocial e que seja alcançada uma deliberação assemblear formalmente e materialmente hígida.
*Daniel Solis é advogado do escritório Nelson Wilians Advogados e tem 20 anos de experiência em contencioso empresarial e pós-graduação em Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Já representou clientes em casos estratégicos de contencioso cível, incluindo recuperações e falências, assim como importantes casos envolvendo as principais empresas de telecomunicações do país.
*Erick Regis é advogado e mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduado em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), pós-graduado em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), membro do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil) e do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT), atuando na área de contencioso cível estratégico e empresarial.