Aluguéis de curta duração em plataformas como Airbnb e Booking estão no centro de um debate jurídico que pode impactar diretamente moradores e proprietários de imóveis em condomínios. Discussões acerca da proposta de reforma do Código Civil no plenário trazem à tona se esse tipo de locação fere regras internas dos edifícios, o que pode abrir caminho para proibições ou restrições mais severas por parte das convenções condominiais.
De acordo com o sócio do Ferreira & Garcia Advogados e especialista em Direito Contratual, Vanderlei Garcia Jr, o tema da locação por curta temporada, especialmente quando realizada por meio de plataformas digitais como Airbnb, Booking e similares, permanece como um dos mais polêmicos do direito condominial e contratual contemporâneo. Isso se deve à interseção de interesses legítimos – porém conflitantes – entre a propriedade privada, a coletividade condominial, o setor de turismo, a segurança urbana e a ordem econômica.
“A controvérsia existe porque a legislação atual não fornece regras suficientemente claras ou atualizadas sobre a compatibilidade entre o uso residencial de um imóvel e a locação frequente por períodos curtos. A Lei do Inquilinato, embora preveja a locação por temporada, foi concebida antes do advento da economia digital e não distingue entre locações tradicionais e aquelas intermediadas por plataformas com alta rotatividade de hóspedes”, explica o advogado.
Nesse vácuo normativo, os tribunais vêm enfrentando casos em que locações reiteradas, muitas vezes com fins lucrativos, transformam unidades residenciais em verdadeiras micro-hospedagens, o que pode comprometer o sossego, a segurança e a privacidade dos demais condôminos. Por outro lado, há o argumento de que proibir essa atividade viola o direito de propriedade e de livre iniciativa, além de afetar negativamente a renda de milhares de proprietários.
“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem evoluído no sentido de reconhecer que os condomínios podem restringir essa prática, desde que haja previsão clara na convenção ou decisão válida em assembleia. Ainda assim, não há uma uniformização completa, o que leva a decisões divergentes e à insegurança jurídica”, completa Garcia Jr.
A proposta de reforma do Código Civil surge justamente para resolver essa indefinição, mas ela mesma já enfrenta críticas: há quem veja na mudança uma ameaça à função econômica da propriedade privada, enquanto outros defendem que é essencial proteger o caráter residencial dos condomínios e evitar a “hotelarização” dos edifícios.
Portanto, o debate permanece aceso porque envolve valores constitucionais em tensão, como a dignidade da pessoa humana, o direito à moradia, a liberdade econômica, a segurança pública e a função social da propriedade. “Enquanto não houver uma norma clara e amplamente aceita, o tema continuará sendo objeto de intensas discussões no Judiciário, no Legislativo e na sociedade civil”, defende o especialista.
Posicionamentos
As principais plataformas de locação por temporada, como Airbnb e Booking.com, têm se posicionado de maneira firme e estratégica diante do debate jurídico e legislativo sobre a regulamentação das locações de curta duração em condomínios.
“O Airbnb, em particular, tem reforçado que milhares de brasileiros, inclusive aposentados e trabalhadores autônomos, dependem da renda obtida com a locação temporária para complementar sua subsistência”, explica Garcia Jr.
Além disso, a plataforma mantém canais de orientação jurídica e manuais de boas práticas para anfitriões, orientando sobre a necessidade de respeitar as regras condominiais, de garantir a segurança dos hóspedes e de manter um relacionamento harmonioso com os vizinhos. Em algumas situações, o Airbnb oferece até apoio jurídico em disputas judiciais, especialmente quando há interpretações consideradas arbitrárias por parte de condomínios ou legisladores locais.
“A Booking.com, embora com um perfil mais discreto no Brasil, também apoia políticas que favoreçam a economia compartilhada e tem se alinhado a diretrizes internacionais que defendem o direito dos usuários à livre utilização de seus bens, respeitadas as normas locais”, destaca o advogado.