A convivência em condomínios requer regras claras que garantam harmonia entre moradores e o bom uso dos espaços compartilhados. Nesse contexto, o regulamento interno surge como instrumento fundamental para organizar a rotina condominial. Mas afinal, o que caracteriza esse documento, como elaborá-lo dentro da legalidade e qual sua real função na administração de um condomínio?
O regulamento interno, também conhecido como regimento interno, é o documento que estabelece as normas de convivência e disciplina a utilização das áreas comuns e privativas do condomínio. Diferentemente da convenção de condomínio, que possui natureza mais estrutural e define aspectos como administração, frações ideais, direitos e deveres dos condôminos e quóruns deliberativos, o regulamento interno funciona como um manual operacional voltado às questões práticas do cotidiano.
Enquanto a convenção pode ser comparada à “Constituição” do condomínio, o regulamento interno representa as normas que operacionalizam o dia a dia, tratando de horários de silêncio, uso de salão de festas e piscina, normas para mudanças e reformas internas, circulação de visitantes e procedimentos de segurança.
É fundamental compreender que existe hierarquia entre esses documentos: o regulamento interno deve sempre respeitar a convenção de condomínio e jamais pode contrariar a legislação vigente, especialmente o Código Civil e a Lei 4.591/64.
O que deve constar no regulamento interno
Embora o conteúdo varie conforme as particularidades de cada condomínio, há diretrizes essenciais que devem ser contempladas:
Uso das áreas comuns: normas específicas para utilização de salão de festas, academia, piscina, playground, churrasqueira e demais espaços compartilhados, incluindo agendamentos e responsabilidades.
Convivência: estabelecimento de horários de silêncio, conduta esperada de moradores e visitantes, circulação em áreas comuns e normas aplicáveis a animais de estimação.
Mudanças e reformas: definição de horários permitidos, uso de elevador de serviço, descarte de entulho, comunicação prévia obrigatória e normas de segurança durante obras.
Vagas de garagem: diretrizes sobre estacionamento correto, circulação de veículos, identificação e controle de acesso.
Segurança: procedimentos para entrada de visitantes, prestadores de serviços, entregadores e protocolos de identificação.
Limpeza e sustentabilidade: normas de descarte de lixo, reciclagem e organização geral dos espaços.
Penalidades: critérios claros para advertências, aplicação de multas, comunicação de infrações e garantia do direito de defesa aos infratores.
Todas essas regras precisam ser redigidas de forma clara, objetiva e adaptada à realidade específica de cada condomínio, sempre em conformidade com a legislação e a convenção.
Como criar um regulamento interno legalmente válido
A elaboração do regulamento interno pode ser conduzida pelo síndico, pela administradora do condomínio, por comissão específica de moradores ou com apoio de assessoria jurídica especializada. A elaboração em si é livre, desde que respeite a legislação e o conteúdo da convenção.
Para adquirir validade jurídica, no entanto, o documento deve necessariamente ser aprovado em assembleia de condôminos. A convenção geralmente estabelece o quórum necessário para essa aprovação; sendo omissa, aplica-se a regra da maioria simples dos presentes que votarem. Essa exigência está em consonância com a Lei 4.591/64, que determina que normas internas sejam adotadas mediante deliberação dos condôminos reunidos em assembleia.
Erros frequentes e como evitá-los
Ao longo de mais de uma década atuando em Direito Imobiliário, observo que os condomínios cometem erros recorrentes ao elaborar seus regulamentos internos:
Ausência de formalização adequada: muitos condomínios adotam regras apenas verbais ou dispersas em diversas atas, gerando insegurança jurídica. A solução é consolidar todas as normas em documento único, formalmente aprovado em assembleia.
Contradições com a convenção ou legislação: quando o regulamento tenta restringir direitos garantidos por lei ou estabelece obrigações indevidas, cláusulas podem ser consideradas nulas. A revisão jurídica preventiva é essencial para evitar esse problema.
Redação vaga ou genérica: textos mal redigidos dificultam a interpretação e aplicação das normas no cotidiano. A redação deve ser objetiva, específica e sem margem para ambiguidades.
Omissão de temas relevantes: assuntos como uso de áreas comuns, reformas, barulho, penalidades e acesso de visitantes frequentemente ficam sem regulamentação adequada. O regulamento precisa ser completo e adaptado à realidade específica de cada condomínio.
Falta de atualização periódica: condomínios evoluem, perfis de moradores mudam, tecnologias avançam e a legislação é alterada. Regulamentos desatualizados criam conflitos e insegurança. Recomenda-se revisar o documento periodicamente, com assessoria especializada.
O regulamento interno é instrumento fundamental para garantir convivência harmoniosa e organização adequada da rotina condominial. Quando bem elaborado, aprovado formalmente e atualizado periodicamente, torna-se ferramenta eficaz de gestão e prevenção de conflitos.
A assessoria jurídica especializada durante a elaboração e revisão desse documento não é mero formalismo, mas investimento que assegura segurança jurídica, evita questionamentos futuros e garante que as regras estabelecidas sejam, de fato, aplicáveis e eficazes.
*Por Raphael Mançur, advogado especialista em Direito Imobiliário e Direito Processual Civil, com atuação consolidada em Planejamento Sucessório. Graduado pela Faculdade Cândido Mendes, iniciou sua trajetória como estagiário na Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Com mais de uma década de experiência, atuou por 10 anos como sócio do escritório Dauro Schettino Advogados, conduzindo demandas complexas para shopping centers e incorporadoras. Em 2024, fundou seu próprio escritório, focado em atendimento estratégico e personalizado nas áreas de incorporações, loteamentos, regularização fundiária, usucapião, inventários e estruturação patrimonial.
