Nos condomínios brasileiros, o porteiro é figura central. Cabe a ele controlar o acesso de pessoas e veículos, recepcionar visitantes, receber encomendas, registrar ocorrências e, sobretudo, zelar pela rotina segura e organizada do espaço. Mas, apesar de suas atribuições bem delimitadas, é comum encontrar porteiros acumulando tarefas que extrapolam o escopo da função.
Esse cenário abre espaço para um problema jurídico e social relevante: o desvio de função. Quando um trabalhador é contratado para exercer uma atividade específica e, no decorrer do contrato, passa a desempenhar outras tarefas, de maior complexidade, sem a devida compensação, configura-se acúmulo funcional. A prática pode gerar passivos trabalhistas para empregadores e sobrecarga para profissionais.
Transformar o porteiro em um funcionário “multiuso” pode parecer uma saída rápida para reduzir custos em condomínios ou empresas. Mas a economia imediata se converte, na prática, em um risco com elevado custo. A Justiça do Trabalho tem firme entendimento em reconhecer o direito às diferenças salariais para empregados que sofrem desvio de função.
Além do aspecto jurídico, há consequências no cotidiano. Sobrecarregar o porteiro com funções que não são de sua responsabilidade compromete a qualidade do serviço essencial que ele deve prestar: a portaria. Enquanto, em hipótese, limpa uma área comum ou resolve problemas de manutenção, o profissional deixaria de estar presente em sua principal frente de trabalho.
Prevenção é o caminho
Grande parte do problema nasce já na contratação. Muitos contratos não especificam claramente as atividades do porteiro, abrindo margem para interpretações convenientes. É nesse espaço de indefinição que surgem os abusos. O correto seria que as atribuições fossem listadas de forma clara desde o início e, caso o empregador queira incluir outras tarefas, isso esteja documentado e acordado previamente.
Mas, na prática, o que se vê é a improvisação: faltam funcionários para limpeza ou manutenção, e a tarefa “sobra” para o porteiro. O resultado é a informalidade que prejudica não só o trabalhador, mas também a coletividade que depende de um serviço eficiente de portaria.
Segurança em segundo plano
Outro aspecto crítico é a confusão entre porteiro e vigilante. Embora ambos lidem com a segurança, suas funções são distintas: o vigilante pode portar arma e exerce atividades de proteção patrimonial; o porteiro, não.
Portanto, não se pode exigir do Porteiro a realização de atividades de vigilância, pois colocaria em risco a própria segurança do condomínio e exporia o trabalhador a situações para as quais não foi devidamente treinado e capacitado.
Fiscalização
O debate sobre desvio de função não deve ser tratado como mera formalidade trabalhista. Ele toca em temas mais amplos, como dignidade profissional, segurança condominial e responsabilidade dos empregadores. Para evitar problemas, além dos dois pontos citados acima, é preciso que haja uma gestão responsável.
Exercer supervisão e manter processos de fiscalização contínua, acompanhando de perto as rotinas de trabalho, assegurando que as funções do porteiro não se ampliem de maneira irregular e prejudicial também é fundamental. Revisões periódicas, observação prática das atividades e canais de comunicação claros permitem identificar e corrigir desvios rapidamente, promovendo um ambiente de trabalho justo e evitando futuros passivos trabalhistas para o condomínio.
Treinamento
A capacitação contínua, por fim, também é um ponto muito relevante, reduzindo o risco de direcionamento a tarefas fora do escopo. O treinamento para que os porteiros desempenhem corretamente as atividades típicas, como controle de acesso, recepção de visitantes, registro de ocorrências e comunicação com moradores, garante não apenas eficiência, mas também clareza sobre seus limites de atuação.
*Por Larissa Salgado, advogada da área trabalhista do escritório Silveiro Advogados, é graduada em Direito pela UNIRITTER e pós-graduada em Direito do Estado pela UNIRITTER e em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pelo IDC
