A homogeneização das grandes cidades tem gerado efeitos que vão além da paisagem visual. Em São Paulo, bairros inteiros passaram a ser ocupados por conjuntos de edifícios com fachadas neutras, usos padronizados e ausência de diversidade arquitetônica. Esse cenário, segundo especialistas e pesquisadores, tem impacto direto sobre a saúde mental da população.
Pesquisas realizadas em Nova York indicam que espaços urbanos sem variedade sensorial afetam a atenção, o humor e o comportamento social das pessoas. O neurocientista Colin Ellard observou que quarteirões com fachadas contínuas e vitrines fechadas provocam queda no nível de ativação fisiológica, enquanto áreas com comércio local, aberturas visuais e formas variadas geram respostas cognitivas mais engajadas.
“Não se trata apenas de estética. A cidade influencia nossa percepção, nosso ritmo e nosso estado mental. Quando o espaço é previsível, entediante e sem interação, ele deixa de nos provocar e se torna um agente de esvaziamento emocional”, afirma Jorge Cury, CEO da UMÃ Incorporadora. “Projetar um prédio é também projetar uma experiência. E isso tem consequência direta sobre o bem-estar de quem habita ou circula por ali”, aponta.
Outros estudos reforçam essa relação entre espaço urbano e estímulo cognitivo. Em um experimento conduzido pelos psicólogos Colleen Merrifield e James Danckert, o tédio gerado por imagens neutras aumentou a produção de cortisol, hormônio ligado ao estresse, mais do que cenas tristes. A monotonia, portanto, não é apenas um incômodo passageiro: ela provoca alterações fisiológicas mensuráveis.
A repetição de formas e cores, tão comum nos centros urbanos, também tem sido associada a sintomas de desatenção. O psiquiatra Edward Hallowell explica que ambientes desprovidos de novidade visual podem simular quadros de TDAH, inclusive em pessoas sem predisposição clínica.
“A cidade, quando não oferece estímulo, exige do corpo um esforço maior para manter o foco. Isso contribui para a sensação de fadiga mental que tantos relatam no dia a dia”, explica Cury.
Para o CEO da UMÃ, a arquitetura urbana precisa incorporar essa dimensão sensorial desde a concepção dos projetos. “Nosso compromisso é pensar o edifício como parte da cidade e não como um volume isolado. Um projeto que considera o entorno, os usos, a ensolação e as interações tende a gerar vínculos mais fortes com quem o utiliza. O que projetamos nos projeta!”, afirma.
Outro levantamento citado por urbanistas mostra que ambientes com diversidade visual e arquitetônica tendem a favorecer comportamentos sociais. Em testes realizados em Seattle, pessoas que transitavam por áreas com fachadas ativas se mostraram até cinco vezes mais dispostas a interagir com desconhecidos do que aquelas que percorriam espaços padronizados.
Em São Paulo, a expansão urbana acelerada contribuiu para a disseminação de modelos construtivos pouco conectados ao contexto local. Bairros inteiros passaram a ser ocupados por torres residenciais ou comerciais sem diálogo com a rua, com entradas blindadas, ausência de comércio de rua e fachadas impermeáveis. “Essa lógica desestimula o encontro. Ela prioriza o enclausuramento. E isso vai contra tudo o que sabemos sobre qualidade de vida urbana”, observa Cury.
Segundo ele, o papel da arquitetura precisa ser resgatado como mediador da vida cotidiana. “Quando um projeto é bem pensado, ele não apenas cumpre função, mas gera memória. A pessoa lembra de um caminho, de um trajeto, de um detalhe da fachada. Isso cria pertencimento. E é esse vínculo que precisamos recuperar na cidade”.
A discussão sobre o impacto da arquitetura na saúde mental ainda é recente no Brasil, mas vem ganhando força. Para Cury, essa é uma agenda urgente. “Estamos diante de uma oportunidade de transformar a maneira como vivemos. A cidade precisa ser mais do que um espaço de passagem. Ela deve estimular, acolher, despertar sensações. E a arquitetura tem um papel fundamental nisso”, conclui.