O Dia dos Namorados é comemorado em 12 de junho no Brasil. Uma data marcada para a celebração do amor, mas que muitas das vezes envolve algumas polêmicas, problemas e alguns percalços pelo caminho, inclusive crimes. Por isso, é importante sempre estar atento para saber lidar com as situações que surgem pelo caminho.
Por isso, a Condo.News pesquisou para listar algumas situações, digamos, inusitadas que acontecem dentro do condomínio. Será que a Legislação Federal abrange todos os casos? Sabia que algumas leis, como a que obriga os condomínios residenciais e comerciais a denunciarem casos de violência doméstica, são apenas estaduais? Afinal, qual é a responsabilidade do síndico na hora de resolver as questões de relacionamentos dentro dos condomínios?
“Pela legislação, o síndico não possui uma obrigação específica de gerir e lidar com os relacionamentos entre ou intra unidades condominiais. No entanto, é preciso considerar que a legislação dificilmente esgota completamente a realidade fática daquilo que procura regular e, habitando condomínios edilícios e vivendo em uma sociedade em que essas relações são comuns e rotineiras, sabemos que fica, de alguma forma, a cargo do síndico controlar os relacionamentos dos condôminos, pois estes podem e costumam afetar todo ou parte do condomínio edilício. É um costume, uma prática, o síndico intermediar as dificuldades e conflitos entre os vizinhos, podendo estar prevista no regulamento do edifício. Observo que, como disposto no artigo 1.348, inciso II, do Código Civil, e no artigo 22, §1°, “a”, da Lei n° 4.591/1964, o síndico terá o dever legal de atuar como representante do condomínio e praticar todos os atos necessários, inclusive, judiciais, para a defesa dos interesses comuns dos moradores. Além disso, conforme disposto no artigo 1.348, inciso IV, do Código Civil, e no artigo 22, §1°, “c”, da Lei n° 4.591/1964, o síndico deverá praticar todos os atos necessários para cumprimento da convenção interna do Condomínio, razão pela qual, se houver dever atrelado aos termos de relacionamento entre os condôminos no regulamento do condomínio, estes deverão ser observados e cumpridos”, explicou o advogado Luciano de Souza Godoy, professor da Escola de Direito da FGV em São Paulo e sócio do escritório LUC Advogados.
Violência doméstica
Um infeliz tabu ainda em grande parte do Brasil, a violência doméstica segue ceifando vidas por todo o mundo. No Brasil, desde 2006 as mulheres contam com uma legislação específica para tentar salvaguardar as suas vidas, a Lei Maria da Penha. Já em 2015, as mulheres viram nascer a lei para combater o feminicídio.
Agora, em alguns estados e cidades, estão sendo aprovadas legislações que obrigam condomínios, síndicos, entre outros, a denunciarem casos de violência doméstica que ocorrem dentro do local de moradia em até 24h. Em São Paulo, a legislação, que também atende crianças, adolescentes e idosos, entrou em vigor no segundo semestre de 2021.
“Evidente que há uma mudança cultural na forma de abordar os tristes casos de violência doméstica que se relaciona com a mitigação daquela linha, antes muito bem demarcada, entre o que é público, e que, portanto, cabe a todos discutir, e o que é privado, e que, portanto, cabe apenas às partes envolvidas resolver. Compreender o que se passa dentro do ambiente familiar como responsabilidade de toda a sociedade: acredito que esse é o marco, trazido por intensos e longos debates de grupos feministas e movimentos de defesa da mulher na sociedade civil e que, hoje nos permite ter Leis como essa sendo aprovadas e debatidas por nossos representantes políticos”, pontuou o advogado.
Apesar do avanço da legislação em São Paulo, ainda não há uma diretriz nacional para que haja uma ação uníssona contra casos de violência doméstica. Porém, há um projeto de lei, em trâmite no Congresso Nacional, que pode modificar este cenário e permitir maior segurança às mulheres e crianças nos casos de violência doméstica. Trata-se do PL 2510/20, que busca alterar o Estatuto dos Condomínios, o Código Civil e o Código Penal.
A intenção do projeto é obrigar condôminos, locatários ou donos de imóveis a denunciarem aos síndicos casos de violência doméstica. O síndico, por sua vez, terá 48 horas para fazer a denúncia formal às autoridades. Em caso de descumprimento, o síndico poderá ser destituído do cargo. Já condôminos podem ser multados em até cinco vezes o valor da cota condominial.
O projeto, que já foi aprovado pelo Senado Federal, também busca permitir que o síndico, caso verifique o caso em flagrante, proíba a entrada ou permanência do agressor no condomínio, comunicando imediatamente o fato às autoridades. Ademais, o PL também busca aumentar a educação sobre os casos de violência doméstica, fazendo com que o síndico afixe placas informativas, em áreas comuns, a respeito dos casos de violência.
“Então, sim, já passou da hora de romper o famoso brocardo, a fim de que sejam evitadas enormes tragédias familiares, sofrimento pessoal. O tema é grave e pode se tornar um caso criminal. Contudo, a legislação encontra limites e dificilmente é capaz de lidar com todos os tipos de situação que ocorrem ou mesmo criar um critério objetivo que corresponda a percepção do que é violência para todas as pessoas, em contextos culturais tão diversos, como temos aqui no Brasil. É importante o trabalho de disseminação informacional do que constitui a violência doméstica, que segundo a própria Lei Maria da Penha possui diversas caracterizações além da física, para que esse tipo de legislação possa ser efetiva em todo o país. Ainda, é preciso observar que a violência doméstica abordada pelo próprio Projeto de Lei não se refere tão somente à violência contra a mulher, mas também aborda a violência cometida contra crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência física ou mental”, afirmou Souza Godoy, que é especialista em Direito Privado, Direito Imobiliário e Direito Agrário.
Homofobia e transfobia
Outra situação infeliz que, mesmo tendo sido criminalizada pelo Superior Tribunal Federal (STF), continua ocorrendo em diferentes locais, inclusive condomínios, em todo o Brasil são os atos de homofobia e transfobia. É certo afirmar que ainda não há uma legislação específica para criminalizar ações homofóbicas e transfóbicas no Brasil.
No entanto, o plenário do STF equiparou, em 2019, os crimes de racismo aos de homofobia e transfobia. Isso significa que podem ser enquadrados na lei que combate ao racismo. A ação do Tribunal ocorreu devido à omissão legislativa para se posicionar sobre o caso.
“O homotransfobia é um crime grave, que, após equiparado ao racismo, se tornou imprescritível e inafiançável segundo os termos da nossa Constituição da República, apto a ser punido com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, com multa, assim como previsto no artigo 20 da Lei 7.716/89. Portanto, para além das penalidades possivelmente previstas nos estatutos internos dos condomínios, de possível penalidade de condômino antissocial, de ação cível de exclusão de sócio e de ação de indenização por danos materiais e morais eventualmente decorrentes do ato – responsabilidade civil – podem ainda o síndico e outros condôminos denunciarem o crime de racismo cometido aos órgãos de segurança pública responsáveis, para eventual acusação penal do ofensor”, apontou Souza Godoy.
Ademais, segundo o advogado, as ações para combater crimes de ódio devem ser feitas além das esferas judiciais, mas também na parte educativa. Souza Godoy sugere, entre diferentes atos, a afixação de informativos de combate à homotransfobia. Além disso, também há possibilidade da questão ser debatida entre o síndico e os condôminos em assembleias, podendo ser possível a existência de punições previstas no regulamento interno para a prática do crime.
“Em termos criminais, uma figura considerada mais branda do que o racismo é a injúria racial, que por equiparação também se aplica a casos de homotransfobia e se encontra prevista no artigo 140, §3º, do Código Penal, podendo gerar reclusão de um a três anos e multa, se confirmada em sentença condenatória. Atualmente, tais atos podem ser comprovados por câmeras de segurança, além das provas testemunhais. E aproveito a oportunidade para revelar a minha indignação com algo difícil de superar – o tratamento dado aos empregados e empregadas domésticas nos edifícios; ainda hoje, ouvimos histórias de obrigatoriedade de utilizar somente o elevador de serviço ou de proibições das babás acompanharem as crianças na piscina do condomínio – estas práticas são mais que inadequadas, são ilegais”, afirmou o advogado.
Sexo em áreas comuns
Outra situação que não é incomum ter registros em condomínios é a de pessoas tendo relações sexuais em áreas de uso comum, desde escada de incêndio até estacionamento. A conduta, apesar de ser fetichizada por algumas pessoas, pode ser considerada criminosa, ferindo artigos do Código Penal e, ainda, do Código Civil brasileiro.
Fora as sanções previstas nas legislações federais, relações sexuais em áreas comuns de condomínios também podem acarretar em punições internas, que podem estar previstas nos regulamentos dos condomínios.
“Quem regula o que pode ou não pode ocorrer dentro de um condomínio edilício, além da legislação, é o estatuto interno, também chamado de regimento ou convenção, que pode dispor especificamente sobre o assunto e sobre possíveis penalidades que interessem a todas as unidades condominiais, assim como previsto no artigo 1.333 do Código Civil e no artigo 9° da Lei n° 4.591/1964. Há, contudo, no artigo 1.337, parágrafo único, do Código Civil, a figura do condômino antissocial, que é aquele que por seu reiterado comportamento antissocial gera incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, no qual o tipo de comportamento descrito na pergunta pode ser enquadrado, gerando multa de até 10 vezes o valor pago a título de despesas condominiais. Por último, há ainda o crime previsto no artigo 233 do Código Penal, caracterizado por “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”, mas que acredito seja de pouca aplicação prática ao caso, pois demanda uma ofensa mais grave, inclusive por prever pena de detenção de três meses a um ano ou multa”, apontou Souza Godoy.
Como lidar com o barulho do vizinho?
Por fim, uma conduta bastante comum, mas que sempre gera saia-justa em condomínios é sobre o barulho no apartamento vizinho. Se durante o dia esses sons mais altos podem ser de obras ou móveis arrastando, durante a noite podem ser provocados por atos sexuais. Devido a isso, é comum que os vizinhos sintam-se envergonhados em conversar com o condômino barulhento.
No entanto, admitiu Souza Godoy, a melhor saída para esse tipo de situação é a conversa, antes que medidas mais drásticas sejam tomadas em assembleia, o que exporia a situação para todos os condôminos e não apenas aqueles que foram incomodados pelos barulhos.
“Essa atitude também pode ser caracterizada como antissocial a depender da frequência e do quanto incomode os outros condôminos. Mas como dito na primeira resposta, ao síndico acaba sendo atribuída, para além dos deveres previstos na legislação, um papel de mediação entre esses conflitos e de prezar pelo interesse comum. Portanto, uma boa medida inicial é sempre procurar conversar e requerer voluntariamente uma mudança de atitude antes que medidas mais drásticas possam ser tomadas e a situação exposta em assembleia a todos os condôminos. Se houver reiteração, aplica-se uma multa; com nova reiteração, o valor da multa pode ser elevado por conduta antissocial”, finalizou o advogado.